sexta-feira, 5 de agosto de 2011


Quando criança, a sugestão vinha com o tom de um mandamento: Não seja bobo. Eu era. E diante das recomendações e cuidados, argumentava, mas sempre admitia que sim, eu tinha que mudar. Daí no dia seguinte, decidido, lá estava eu desconfiado, até que alguém percebia: você está diferente, e com certeza, eu não era o mesmo, porém o quadro não durava muito tempo e sem perceber recuperava minha autenticidade, e logo em seguida vinha o conselho de sempre: Não seja bobo. Por muitas vezes tive raiva, pois não conseguia mudar, foi ai que conheci Clarice e de repente, tudo mudou, descobri minhas vantagens em ser bobo e, de certo modo, uma estranha superioridade. Clarice mais uma vez se revela-se e revela-me a mim.

Eucanaã Ferraz (Apresentação, Clarice na cabeceira)

(...) O bobo por não se ocupar com ambições, tem tempo para ver, ouvir e tocar no mundo.

Ser bobo às vezes oferece um mundo de saída, porque os espertos só lembram de sair por meio da esperteza, e o bobo tem originalidade, espontaneidade.

O bobo tem oportunidade de ver coisas que os espertos não veem.

Os esperto estão sempre tão atentos às espertezas alheias que se descontraem diante dos bobos, e estes os veem como simples pessoas humanas.

O bobo ganha liberdade e sabedoria para viver.

O bobo nunca parece ter tido vez. No entanto, muitas vezes o bobo é um Dostoieviski.

A vantagem de ser bobo é ter boa fé, não desconfiar, e portanto estar tranquilo, enquanto o esperto não dorme à noite com medo de ser ludibriado.

O esperto vence com úlcera no estômago. O bobo nem nota que venceu.

Aviso: Não confundir bobos com burros.

Os bobos com suas palhaçadas devem estar todos no céu.

se Cristo tivesse sido esperto não teria morrido na cruz.

Os espertos ganham dos outros. Em compensação, os bobos ganham vida.

Bem-aventurados os bobos porque sabem sem que ninguém desconfie. Aliás não se importam que saibam que eles sabem

É quase impossível evitar o excesso de amor que um bobo provoca. É que só um bobo é capaz de excesso de amor. E só o amor faz o bobo.

Clarice Lispector

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